Fonte Folha São Paulo
Morreu na madrugada desta
quinta-feira (5) na cidade de Porto Real, Antônio Evanil da Silva, o Coronel,
lateral-esquerdo e ídolo do Vasco das décadas de 1950 e 1960.
De acordo com a família, o
ex-jogador fez uma endoscopia no sábado (30) em uma clínica de Barra Mansa,
próxima a Porto Real, e na volta para casa começou a passar mal e sentir muitas
dores. A morte foi confirmada às 3h40 desta quinta.
Coronel foi o João mais famoso de
Garrincha, que chamava seus adversários, geralmente os laterais-esquerdos que o
marcavam, dessa forma. Ambos se enfrentaram em uma série de clássicos cariocas
entre Vasco e Botafogo, no Maracanã.
"Corona, devagar quase
parando hein, vem devagar", dizia Garrincha ao seu marcador.

"Ele era terrível. Se você
olhasse para as pernas dele, estava perdido. Eu o encarava e gritava para ele
soltar a bola e não ficar de palhaçada. Mas não tinha jeito, ele passava todas
as vezes que queria", disse Coronel, em entrevista à Folha no último dia
27 de novembro, em Porto Real.
A barba por fazer e a saúde
debilitada pelos seus 84 anos contrastavam com a imagem do lateral vigoroso e
boa pinta que liderava a defesa vascaína entre os anos de de 1956 e 1962.
Naquela época, o grande desafio
no Rio de Janeiro era conseguir parar o ponta-direita botafoguense.
"O Garrincha era uma pessoa
maravilhosa. Eu nunca dei um pontapé nele. Como ia fazer isso com um amigo? Eu
puxava ele pela camisa. Uma vez, o locutor perguntou no ar porque eu o abraçava
toda hora. Era o jeito que eu tinha de segurar o Mané", divertiu-se Coronel.
Apesar da lucidez com que
discursou sobre a sua época de jogador, Coronel apresentava um leve grau de
Alzheimer e já não podia sair à rua sozinho. Às vezes, ficava perdido até mesmo
dentro de casa, de acordo com sua sobrinha Antonia Ivany Silva, 63.
Mas mesmo com essa reclusão
diária, o ex-jogador do Vasco se mostrou grato pela vida que levou. "Estou
bem, graças a Deus. Só em não ter mais dor de cabeça, está bom demais",
afirmou o ex-jogador.
Sua saúde requeria muitos
cuidados. Ele precisou fazer cirurgia de catarata nas duas vistas.
Recentemente, retirou um tumor da bexiga. Tomava remédios para pressão e também
antidepressivo. As operações foram feitas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), já
que ele não tinha convênio.

Para tentar manter a saúde
controlada, Antonia estava sempre às voltas com consultas e exames. Como não
tinha facilidade de se locomover, muitas vezes a ambulância vinha buscá-lo em
casa.
Sem aposentadoria, o ex-jogador
vascaíno recebia um benefício de R$ 980,00 do governo e mais nada. Não fosse a
ajuda da sobrinha e de seu marido Wilson Silva, ele não teria nem mesmo onde
ficar.
"Aqui ele anda limpo, tem
comida, remédio e muito carinho. Tenho muita gratidão por meu tio. Mas ele
precisa de cuidados por causa da idade, e manter tudo isso não é fácil. O
dinheiro que ele ganha não dá para fazer muita coisa. Estou correndo com os
seus documentos para ver se houve algum recolhimento de fundo de garantia, mas
acho que não tem nada", afirmou Antonia, no último dia 28, durante a
visita da reportagem.
Tudo que conseguiu da época de
jogador, Coronel se desfez com o decorrer do tempo. "Ele sempre se
preocupou em ajudar as pessoas. Enquanto ele teve condições, ajudou muita
gente", disse a sobrinha.
Alheio a esses problemas, Coronel
mantinha a suavidade no olhar ao relembrar os tempos de jogador. Ao ser
perguntado sobre a escalação do time que conquistou o chamado
Super-Supercampeonato Carioca de 1958, os 11 titulares saíram de forma natural.

"Miguel no gol; Paulinho e
Belini. A linha média tinha Laerte ou Écio, Orlando e eu. No ataque, era
Sabará, Almir, Valdemar, Roberto Pinto e Pinga. Era um timaço", falou com
um sorriso no rosto.
Mas a alegria mesmo de Coronel
era lembrar das façanhas do amigo botafoguense. E ele mesmo se colocava como o
João mais famoso a marcar o Mané.
João era a forma como Garrincha
se referia aos laterais adversários. Altair, do Fluminense e Jordan, do
Flamengo, se juntaram a Coronel como os maiores defensores que tentaram brecar
as arrancadas do bicampeão mundial com a seleção brasileira (em 1958 e 1962).
"Eu passava sufoco com ele,
mas vou falar: o Vasco sempre levava vantagem sobre o Botafogo naquela
época", disse o ex-vascaíno.
Segundo o escritor e pesquisador
Alexandre Mesquita, autor do livro Almanaque do Vasco, que será lançado em
dezembro, o time cruzmaltino levou a melhor entre 1956 e 1962, período que
corresponde aos duelos entre os dois ex-atletas.
Em 17 partidas, o Vasco venceu
oito vezes, sofreu seis derrotas e teve ainda três empates. Nesses confrontos,
o ex-camisa sete do Botafogo balançou as redes em três ocasiões
Nas vésperas de jogos contra o
rival, Coronel contou que chegava até a sonhar com seu algoz. "Na verdade
não era sonho. Era pesadelo. Teve uma vez que eu dei um tapa na minha mulher
enquanto dormia porque mandava ele soltar a bola e ele ria de mim. Ela me
cutucou e me chamou de maluco", falou o ex-jogador.
Adversários dentro de campo, fora
deles os dois eram inseparáveis. Coronel montou uma churrascaria na Ilha do
Governador e o amigo sempre batia ponto em seu restaurante.
"Ele levava muita gente.
Muitos amigos. E a Elza Soares estava sempre junto. Tudo para me ajudar. Ele
chegava e já pedia aquela [pinga] do garrafão."

Coronel contou que os dois bebiam
juntos. Mas isso só acontecia quando iam a outros lugares. "Não ficava bem
eu beber no meu ambiente de trabalho. Mas o Mané não tinha tempo ruim. Onde
chegava, fazia festa."
Das visitas ao restaurante às
pescarias, era Coronel também o companheiro inseparável do ponta alvinegro.
"Ele gostava de pegar caranguejo. Depois fazia cada caranguejada... Tenho
muita saudade da nossa amizade. O que ele fazia comigo no campo não era nada
perto do que ele me ajudou fora dele", relembrou com saudade.
Coronel também defendeu a seleção
brasileira e só não foi para a Copa do Mundo de 1958, na Suécia, por causa de
uma lesão.
No Sul-americano de 1959, porém,
ele não só fez parte do grupo como disputou a maioria dos jogos após a lesão do
titular Nilton Santos. "O Nilton era brincadeira. Foi uma honra
substituí-lo. E o bom é que nessas vezes eu tinha o Garrincha no meu
time", afirmou Coronel às gargalhadas.
Entre os pontas que marcou, ele
destacou outros atacantes acima da média que teve de enfrentar: Julinho
Botelho, Joel, Telê e Dorval. "Nunca fui expulso de campo."
Dos anos 50 para o futebol atual,
Coronel mostrou que estava atualizado com o que acontecia no mundo do futebol.
Ele reclamou do Vasco, mas disse que a manutenção do técnico Vanderlei
Luxemburgo seria o caminho para o time voltar a ser campeão.
"O Vasco está feio viu. E
aquele clube é uma potência. Não pode ficar do jeito que está. O Luxemburgo é o
nome para melhorar a situação lá."
Coronel falou também sobre a
final da Libertadores e ficou feliz com o título conquistado pelo Flamengo.
"E eu vou lá torcer para argentinos? O Flamengo foi merecedor, está
jogando muito bem e representou o Brasil", completou o João mais famoso de
Garrincha.